Longe de mim a pretensão de dar uma de douto, pai superior da matéria, e muito menos quero ser pejorativamente tratado como guru, que o dono da verdade de há muito se isolou sozinho, sem amigos, a discursar solitário em infindáveis monólogos com o próprio umbigo.
Também não quero ofender, nem ao menos melindrar quem se aventura pelo campo sinusoidal do conhecimento eletrônico.
Em várias oportunidades manifestei a falta que faz um maior aprofundamento na área técnica, por parte dos entusiastas que mergulham no hobby da audiofilia, em especial os aparelhodófilos.
Alguns dos freqüentadores do Café Audiofilia são exemplos vivos de pessoas que sempre buscam mais conhecimento acerca do hobby que praticam.
As superficialidades vindas à tona naqueles que compartilham desse mesmo
gosto da gente propiciam que sejamos manipulados facilmente por espertos tendenciosos e preconceituosos, que sem despender muito esforço nos transformam de apaixonados por áudio em audiotas.
A área técnica é mais cheia de nuances do que pode o nosso parco conhecimento abraçar, portanto não existe o atalho direto para alcançar o Santo Graal. Há que empreender a cavalgada por desconhecidos caminhos tortuosos e atravessar a devastação dos campos de batalha.
Sempre que posso alerto para as vantagens de se aprender a ler os mapas dos circuitos eletrônicos, os diagramas esquemáticos, que apresentam a facilidade de serem grafados numa linguagem universal, não importando de onde sejam oriundos.
Os esquemas eletrônicos são mais universais do que o Esperanto e do que as partituras musicais.
Quem compreende os circuitos escritos através dos esquemas eletrônicos pode absorver, indistintamente, tanto a cultura ocidental, quanto a oriental; pode entender tanto o minimalismo suíço, quanto se desentender com a megalomania americana. Tal como saber ler os caminhos para poder traçar um destino.
Podem crer que para melhor compreender a audiofilia é muito mais proveitoso cursar eletrônica por correspondência do que ouvir palestras sobre percepção musical.
Ser um pouco mais técnico evita, mas não imuniza que sejamos transformados em audiotas, já que audiopatas sempre seremos.
Paralelo a isso vai bem também uma maior freqüência em salas de concerto e espetáculos de música ao vivo, só não vale o baixacum do baile funk, mas até vale o baticum na roda de samba.
Tudo em prol de diminuir o besteirol provindo dos pseudo-entendidos em aparelhagem de áudio, sempre munidos de arsenal digno do mais virulento mercenário, atirando para todos os lados pérolas das conclusões insensatas, embasadas na mais pura mitologia gereminiana, tão desconexa da técnica como um pum do pensamento solto ao vento.
Vieram-me à lembrança num
relance, as aulas de Análise de Circuitos da Faculdade de Engenharia. Na certa não foram em vão.
Analisar o circuito é o ponto de partida para compreender um aparelho.
Os Marantz 8 e Quad II são dois exemplos de um amplo universo de aparelhos excepcionais dotados de circuitos banais, pois quem manja de ler os esquemáticos logo saca que essas mesmas topologias estão igualmente presentes numa centena de outros concorrentes e que a diferença entre eles bem poderia ser atribuída a diversas causas, mas que certamente o maior diferencial se dá por conta da mitologia empregada na endeusação de determinadas marcas e modelos.
Para mim, o pré-amplificador Marantz 7 é o estereótipo disso tudo que estou tentando dizer.
O circuito do Marantz 7 não passa exatamente do mesmo circuito empregado pela quase totalidade dos antigos prés valvulados, que se perpetuaram até bem recentemente, quando então um ou outro projetista achou que era hora de inovar e procurou alternativas em matéria de circuitos para pré-amplificadores.
O Marantz 7 é um pré-amplificador e por isso mesmo não tem transformadores de saída de áudio que possam significar um grande diferencial de qualidade nos elementos utilizados, por outro lado, as partes componentes empregadas nem tão refinadas são, e o antiquado conceito de chaves comutadoras em profusão depõem através de inúmeros contatos e interrupções atrapalhando o caminho mais livre e desimpedido que
deveria ser percorrido pelo sinal de áudio.
Some-se a isso o fato de que a arcaica fonte de alimentação do aparelho em nada contribui para uma qualidade sonora com fluidez desentupida e isenta de ruídos.
O Marantz 7 tem dois estágios amplificadores de voltagem, em cascata, configurados como seguidores anódicos, acoplados a um estágio de seguidor catódico, para baixar a impedância de saída do aparelho.
Exatamente igual a uma centena de outros pré-amplificadores, dentre eles McIntosh, Conrad-Johnson e Audio Reserach.
Diferenças além das estéticas podem estar nas fontes de alimentação, nas partes componentes utilizadas e no nível de realimentação negativa aplicada.
Mas não tenha dúvida que o maior diferencial é o mito: fábula, lenda, mentira, mitomania.
Quando endeusam o Marantz 7, não me incomodo: melhor ouvir essas besteiras do que ser surdo e de vez em quando também me dou ao direito de soltar as minhas abobrinhas.
Reparem que citei exemplos antológicos, não apenas por estar acostumado a flutuar no vácuo termiônico, ou por considerar que as válvulas são ainda os dispositivos definitivos em matéria de reprodução sonora, mas principalmente por que se entrar no estado sólido as coisas tendem a ficar indefinidas sobremaneira, já que hoje quase tudo se baseia em circuitos integrados (CIs), que igualam os aparelhos na medida em que dispensam os circuitos projetados em favor dos circuitos comprados prontos.
Por força da mitologia já vi nego vender pré-amplificador montado com circuito SRPP, dizendo se tratar de cópia do Marantz 7.
Por força sei lá de quê nunca vejo esse tipo de análise de circuitos, nas revistas que passam aparelhos em revista.
O áudio por vezes é cheio de blablablá e pouca música.
Sei que audiotas gostam de ser enganados, mas só até onde lhes convém.
Rui Fernando Costa.